Como pensar em jornalismo sem associá-lo a uma prática humanizada? Para além de furos de reportagem e coberturas sensacionalistas - que tendem a ocupar as grades de programação de algumas emissoras de TV - o jornalismo carrega consigo uma função social. É por meio dele que o país se informa e se localiza.
Sobretudo por intermédio da televisão, uma vez que ela ainda se mantém como o principal meio de informação de grande parte da população. Deste modo, seu papel na construção de uma sociedade mais igualitária e humanizada se torna ainda mais relevante. Uma vez que, como afirma Gouvêa (2014), parece razoável pensar que a TV é capaz de construir e desconstruir mitos, agendar os assuntos que serão discutidos, hierarquizar a importância dos temas e, “acima de tudo, representar a realidade social, se constituindo como agente decisivo na construção dessa realidade à qual a sociedade está submetida” (GOUVÊA, 2014, p. 3).
Sendo assim, é possível afirmar que o que é veiculado pelas emissoras acaba por transcender todo aquele ambiente de imagens, sons e ondas eletromagnéticas do aparelho televiso. É mais do que uma nota coberta ou um VT, são discursos e visões de mundo. Deste modo, o jornalismo deveria trabalhar em prol da busca pela igualdade e cidadania de forma a contemplar as expectativas de transformação social e de inclusão também de grupos marginalizados.
Entretanto, o jornalismo raramente foge a regra.
De uma maneira geral, o que chega a ser exposto são narrativas e discursos que refletem as posições dominantes. Discursos capazes de perpetuar estereótipos e preconceitos presentes na sociedade racista, machista e homofóbica em que estamos inseridos. Discursos que tendem a legitimar pensamentos hegemônicos e excluir outras vozes e atores menos privilegiados, ressaltando desigualdades.
Um dos objetivos do Observatório de Mídia e Direitos Humanos (projeto do Núcleo de Jornalismo e Audiovisual) é lançar um olhar atento para as produções midiáticas contemporâneas. Entender como tem sido as práticas jornalísticas atuais e em que medida há (ou não) a violação de direitos humanos.
Entretanto, antes de buscar apenas resultados é preciso entender, problematizar e discutir. Esta foi a proposta da última reunião do Núcleo, que aconteceu na quinta passada, dia 25 de abril.
Ao longo de pouco mais de duas horas analisamos, coletivamente, o minimanual do jornalismo humanizado produzido pelo coletivo Think Olga. A proposta foi - através de exemplos práticos e diretos - entender o que nós enquanto grupo definimos por jornalismo e direitos humanos.
Em formato de cartilha e de fácil leitura, o manual é dividido em seis partes, cada uma sobre um assunto especifico. Analisamos a Parte IV: Estereotipos Nocivos. A leitura nos fez refletir sobre a maneira como as mulheres são tratadas por grandes veículos de comunicação. Apesar de o manual trazer exemplos de portais online e revistas, não nos impede de levar os questionamentos também para o âmbito do jornalismo audiovisual.
Historicamente, a mulher ocupa um lugar de inferioridade e subalternidade na organização social e apesar dos avanços conquistados pelo sexo feminino, a equidade entre os gêneros ainda não é algo vivenciado em sua plenitude na sociedade contemporânea.
De acordo com Valquíria Michela John, é impossível negar que em uma sociedade midiatizada os conteúdos veiculados pelos meios de comunicação ocupam um papel relevante nestas definições de identidade - inclusive de gênero – uma vez que é por intermédio deles que são difundidos discursos e representações que tendem a reforçar estereótipos socialmente construídos, ao invés de ser um mecanismo de mudança. “Levando-se em conta então que as relações de gênero não são naturais e sim construídas social e historicamente, o discurso atua decisivamente na construção de nossas representações quanto ao mundo e quanto às atribuições dos papéis de homens e mulheres” (JOHN, 2014, p. 501).
Neste contexto, os discursos midiáticos ocupam um papel privilegiado nas narrativas e representações acerca do feminino e do masculino. A forma como as mulheres são abordadas contribui de modo significativo para a manutenção da discriminação de gênero. E diversos exemplos são apontados pelo Manual da Think Olga.
As “musas” do esporte e a desvalorização das atletas, a obsessão com a forma física feminina, a pressão pela maternidade, a erotização e pressão estética na infância, entre outros (tristes) exemplos. Encarar de frente tantas manchetes machistas e misóginas faz ainda mais urgente a busca por outras narrativas.
Como construir um mecanismo de mudança se a voz de metade da população[1] é silenciada ou diminuída?
Pensar em conteúdos que tratem as mulheres com igualdade é pensar em direitos humanos. Um jornalismo mais humanizado, que reflita sobre como as mulheres são inseridas nas narrativas pode contribuir para a disseminação de notícias mais equilibradas no que dizem respeito à representatividade de gênero.
Lançar um olhar para estas questões é uma tentativa de pensar as possibilidades de construção de uma sociedade mais igualitária. Analisar o que tem sido feito e pensar criticamente a respeito disso é um primeiro passo. Ainda que em diferentes concepções e suportes, acreditamos na utilização dos meios de comunicação para o fortalecimento de lutas por espaço e representatividade. Eaí? Vamos juntxs?
[1] De acordo com o censo do IBGE, em 2010, o percentual de mulheres era 51%, enquanto o de homens era de 49% do total da população brasileira.
RECOMENDAÇÕES
Para continuar as reflexões, algumas recomendações que os membros do grupo citaram durante a reunião:
Humanos - filme
Quanto Tempo o Tempo Tem - filme
One Day at a Time – série
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOUVÊA, Allan. Telejornalismo, política e saúde: os enquadramentos e as representações do câncer no Jornal Nacional. In: INTERCOM 2014, Foz do Iguaçu, PR, 2014.
JOHN, Valquiria Michela. Jornalismo esportivo e equidade de gênero: a ausência das mulheres como fonte de notícias na cobertura dos jogos olímpicos de Londres 2012. Estudos em Jornalismo e Mídia Vol. 11 Nº 2 Julho a Dezembro de 2014
As reuniões do Núcleo de Jornalismo e Audiovisual acontecem semanalmente.
Todas as quinta-feiras, às 14h, na sala 319 (4º andar).