Por Ana Schuchter
Nas últimas duas semanas o jornalismo independente do Intercept Brasil vem divulgando uma série de reportagens, divididas em seis partes, acerca da Operação Lava Jato. Trata-se da divulgação de chats privados retirados de documentos inéditos, enviados ao veículo digital, por uma fonte anônima, que questionam as políticas anticorrupação, a imparcialidade do juiz Sergio Moro e a legitimidade do judiciário brasileiro e a condenação do ex- presidente Lula. Em meio aos debates de interesse e importância pública que o Intercept vem gerando a partir da investigação, o foco vem revelando-se outro: a liberdade dos jornalistas, os métodos de produção e investigação, sua função social e a legitimidade dos conteúdos.
O veículo de comunicação do Intercept foi claro sobre o porquê das publicações : ‘’Ao fazer esses julgamentos, empregamos o padrão usado por jornalistas em democracias ao redor do mundo: as informações que revelam transgressões ou engodos por parte dos poderosos devem ser noticiadas, mas as que são puramente privadas e infringiriam o direito legítimo à privacidade ou outros valores sociais devem ser preservadas’’. Desde então, outros canais, como El País, O Globo, G1 e Estadão vem retransmitindo o desenrolar do caso, compilando as informações e emitindo suas opiniões mediante suas políticas editoriais.
O El País, numa reportagem extensa, instrutiva e educativa ao trazer sobre processos legais e normais dos Direitos Humanos vislumbrou seu posicionamento. Sob o subtítulo, ‘’Até Moro e seus apoiadores entendem que 'whistleblowers' auxiliam na luta contra a corrupção. Sejamos coerentes e analisemos então o conteúdo vazado’’, mostrou indignação e clamou por coerência por parte do público diante das rebatidas dos ‘’acusados’’ pelo chats vazado. Assim, as autoras tentaram, por meio da reportagem, questionar as alegações que colocam os conteúdos vazados como ‘’fake news’’ trazendo esclarecimentos, baseados em documentos legais, como a Lei Federal n. 13.608/18 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sobre sigilo das fontes, caracterização de hacker e de whistleblowers (denunciantes de ilegalidades no setor público ou privado).
Já o Estadão, na matéria ‘’Hacker tentou se passar por Moro no Telegram, no dia 4, diz investigação’’, fundamenta toda sua narrativa na investigação em curso, via inquérito, da Polícia Federal quanto a possíveis ataques de hackers aos celulares de procuradores da República e do juiz Sérgio Moro. Assim, de forma questionável, principalmente do ponto de vista jornalístico ao qual nos debruçamos no núcleo, o Estadão refere-se ‘’ as mensagens do ‘clone’ ‘’ a todo momento e centra a reportagem nas entrevistas da Polícia Federal e dos demais envolvidos no caso. Logo,retira da discussão o teor das mensagens do Intercept e o papel que o veículo apresentou.
O Jornal Nacional, na plataforma digital via portal de notícias G1 ,por sua vez, se contemplou a veicular algumas publicações em um tom cronológico e de síntese. Traz sobre o conteúdo do Intercept, mostra as conversas do aplicativo Telegram, as entrevistas dos envolvidos e das instituições. A política editorial parece querer se manter distanciada ou mesmo fugir do retorno de acusações de parte da opinião pública acerca da participação da Globo na condenação de Lula na Operação Lava Jato.
Poucas críticas, considerações ou discussões foram realizadas sobre a investigação do Intercept, o papel do jornalismo enquanto importante instrumento democrático, os limites e as ações legais dos métodos e ferramentas das mídias no servir à democracia através de seus trabalhos jornalísticos. Legítimos ou não os conteúdos vazados, devemos discutir sobre o teor das alegações para nossas políticas anticorrupção e outras, bem como a importância do jornalismo num período da história brasileira tão conturbado.
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