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Quando existir se torna um ato político

Fantástico apresenta história de patinadora trans que luta para participar de competições femininas

Por Carolina Doro


Dar voz e espaço às lutas de populações invisibilizadas é um dos principais objetivos do jornalismo humanizado, aquele que respeita a identidade do sujeito por completo e não a reduz a apenas uma característica.


No dia 28 de abril, o Fantástico – produto semanal da Rede Globo pensado como uma “revista eletrônica” – exibiu uma reportagem sobre Maria Joaquina, uma menina de 11 anos que pratica patinação artística. Tudo seria relativamente comum, caso Maria não fosse uma menina transgênero que precisa lutar pelo direito de participar de competições femininas.


A história de Maria Joaquina acende o debate sobre a participação de pessoas trans nos esportes.

Como o foco era Maria, ela mesma foi a responsável por se apresentar, o que possivelmente ajuda a estimular uma sensibilidade no telespectador. Após essa introdução, somos apresentados à família, formada por dois pais, uma irmã e um irmão. Os três irmãos foram adotados pelo casal em 2016.


Durante a reportagem, conduzida por Giuliana Girardi, alguns especialistas explicam sobre a condição da menina e os cuidados com sua saúde, como um psiquiatra que fala sobre o acompanhamento que ela faz há dois anos no Ambulatório de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas de São Paulo.


A participação de pessoas trans no esporte ainda é muito recente e, inevitavelmente, polêmica. O presidente da Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação e da Confederação Sul-Americana de Patinação é taxativo, dizendo que “meninos competem com meninos” e “meninas competem com meninas”. Mas a repórter o questiona se essa nova situação não poderia abrir precedentes. Ele diz que “talvez”.


Outra especialista entrevistada traz abaixo a ideia de que Maria poderia ter vantagens pelo fato de ter um corpo masculino, dizendo que até os dez anos, em média, meninas e meninos têm as mesmas capacidades. E, quando ela entrar na puberdade, seus níveis de testosterona podem ser reduzidos e os demais hormônios podem ser igualados aos de outras mulheres.


O desejo maior de Maria Joaquina é disputar na categoria na qual ela se identifica. Não se trata de competir para ganhar. Se essa fosse a única questão, poderia competir na categoria dos meninos, onde sobram vagas. Mas isso nunca a traria satisfação.

A reportagem mostra a luta dos pais da menina para que ela conseguisse participar do Campeonato Sul-Americano de Patinação Artística, que aconteceu em Curitiba.


Precisaram de uma liminar na justiça para comprovar sua legitimidade perante a organização do evento. Conseguiram, mas Maria foi prejudicada por alguns motivos, entre eles, por não ter tido o tempo necessário para fazer o reconhecimento da pista antes da performance. O resultado não foi o esperado. No entanto, o mais importante, naquele momento, era a presença da menina naquele lugar, como ressaltou o pai.

É muito significativo que um programa com o alcance do Fantástico, que toda família vê, tenha apresentado uma história com a da Maria Joaquina. Possibilita o início de uma discussão sobre o tema, ainda muito novo para a maioria dos brasileiros – principalmente os conservadores. Da maneira com que se deu a narrativa da reportagem, foram oferecidos ao telespectador diversos elementos para ter empatia com a menina e entender a legitimidade da sua luta.


Pode não ser fácil para pessoas de gerações anteriores entenderem, mas pessoas trans existem e elas podem, sim, estar em todos os âmbitos da sociedade e, principalmente, inseridas nos lugares aos quais se identificam. A matéria do Fantástico apresentou disso de maneira delicada, além de contribuir para desmistificar muitas opiniões. Não há como não se sensibilizar com a história de Maria, que “só quer existir da forma com que ela se vê”.


Assista à matéria abaixo:



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